10.3.09

Março 10, 2009

ii. Testamento de Rodin



É pela linha de fuga bem marcada no desenho que mergulhais no espaço e que encontrareis a profundidade.
Quando definirdes estes planos, tudo estará construído. A vossa estátua já vive. Os pormenores nascem e tomam os seus lugares naturalmente.
Quando modelardes, nunca penseis em superfícies mas sim em relevo.
Que o vosso espírito conceba toda e qualquer superfície como a extremidade de um volume que a empurra por detrás. Figurai as formas como apontadas a vós. Toda vida surge de um centro, em seguida germina e culmina de dentro para fora. Do mesmo modo que na bela escultura sempre se adivinha uma potente pulsão interior. É o segredo da arte antiga. Vós, pintores, observai igualmente a realidade em profundidade. Olhai por exemplo um retrato pintado por Rafael. Quando este mestre representa uma personagem de frente, faz fugir o peito em oblíqua, e é assim que dá a ilusão da terceira dimensão.
Todos os grandes pintores sondam o espaço. A força deles reside na noção de espessura.
Lembrem-se disto: Não há traços, só há volumes. Quando desenhardes nunca vos preocupeis com o contorno, mas sim com o relevo. O relevo rege o contorno.
Exercitem-se sem descanso. Adquiram perícia no trabalho.
A arte não é mais que sentimento. Mas sem a ciência dos volumes, das proporções, das cores, sem a perícia da mão, o sentimento mais vivo paralisa. Que seria de um poeta num país estrangeiro do qual desconhece a língua? Na nova geração de artistas, há infelizmente grande número de poetas que infelizmente recusam aprender a falar. Assim o que fazem é balbuciar.
É preciso ter paciência! Não contem com a inspiração.
Ela não existe. As únicas qualidades do artista são sabedoria, atenção, sinceridade, vontade. Cumpram a vossa tarefa como honestos operários.
Jovens: sejam verdadeiros. Mas isso não significa ser, rasamente... exactos.
Existe uma exactidão baixa: a da fotografia e da moldagem.
A arte só começa com a verdade interior. Que todas as vossas formas e todas as vossas cores traduzam sentimentos.
O artista que se contenta com o “trompe l’oeil “ e que reproduz servilmente os pormenores sem valor, nunca será um mestre.
Se visitaram algum cemitério italiano, notaram, sem dúvida, com que puerilidade os artistas encarregados de decorar os túmulos se aplicam a copiar nas estátuas, os bordados, as rendas, as tranças. Talvez sejam exactos mas não são verdadeiros, pois não se dirigem à alma.
Quase todos os nossos escultores lembram os escultores dos cemitérios italianos. Nos monumentos das nossas praças públicas só se distinguem sobrecasacas, mesas pé de galo, cadeiras, máquinas, balões, telégrafos. Sem verdade interior, logo sem arte.
Tenham horror destas feiras.
Sejam profunda e afincadamente verdadeiros.
Nunca hesitem em exprimir o que sentem, mesmo quando estão em oposição com as ideias em vigor.
Talvez não sejam logo compreendidos, mas o vosso isolamento será de curta duração. Amigos virão, pois o que é profundamente verdadeiro para um homem, também o é para todos.
Logo nada de caretas, nada de contorções para atrair o público. Sejam simples, sejam ingénuos.
Os melhores temas estão à vossa frente: São os que vocês melhor conhecem. O meu querido e muito grande Eugène Carrière, que nos deixou tão cedo, demonstrou o seu génio pintando a sua mulher e os seus filhos. Era-lhe suficiente celebrar o amor materno, para ser sublime.

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